Turbulência no voo
Miriam Leitão, 29/05/2011
Na política os últimos dias têm sido desastrosos para o governo da presidente Dilma Rousseff. O enfraquecimento do seu ministro mais forte, a intervenção direta do ex-presidente Lula, a falta de clareza na comunicação de temas delicados que vão do aumento patrimonial do ministro Palocci à saúde da presidente, tudo está diminuindo a musculatura do governo.
Argumentos como o que a presidente Dilma usou, de culpar a oposição por estar querendo um suposto terceiro turno, não têm valor significativo. Convence apenas os convencidos, é um discurso para dentro. A opinião pública ainda aguarda que o ministro Antonio Palocci saia do seu estranho e prolongado mutismo a respeito das dúvidas levantadas. É difícil entender, por mais boa vontade que se tenha com o ministro, a coincidência de datas. Exatamente no momento em que ele teve mais demanda no seu trabalho de coordenação da campanha presidencial e da sua própria campanha, e na preparação do novo governo, Palocci teve mais faturamento na consultoria.
Ele está preparando argumentos para respostas institucionais ao Ministério Público. Isso é relevante, mas não suficiente. Através do Congresso ou da imprensa, Palocci tem de sair do seu casulo e esgotar as dúvidas. Não há outro caminho a não ser esse: explicação clara e convincente.
A entrada excessivamente desenvolta do ex-presidente Lula em cena foi um espanto. Todos se comportaram como se ele fosse ainda o chefe da presidente e o dono da bola e do mandato. Distribuiu ordens, mudou estratégias, deu broncas em ministros e foi ouvido e atendido. Em 24 horas de atuação extravagante — e de sinais de subserviência da chefe de governo — Lula conseguiu trazer de volta o maior temor levantado durante a campanha presidencial: que Dilma fosse ser apenas a segunda pessoa em seu próprio mandato. Tudo virou uma aberração institucional.
Na votação na Câmara do novo Código Florestal, ficou explícita a fraqueza do governo. O mandato começou há cinco meses com cálculos dos analistas políticos de que ela teria uma sólida maioria — até maior do que a do governo anterior — e teve na terça-feira uma derrota desmoralizante. Os grandes perdedores foram os que combateram as mudanças no Código, sejam ambientalistas, cientistas, técnicos, partidos menores de oposição; mas o processo de votação revelou um problema político também. Foi a demonstração de que a base se partiu, a grande maioria dos governistas votou contra a orientação e os sinais enviados pelo governo. Faltou coordenação e sobrou ambiguidade em relação ao tema.
O assassinato dos ambientalistas, as notícias de aumento do desmatamento e os sinais dados pela Câmara montaram um quadro de assustador retrocesso na área ambiental, o pior possível para um país que se prepara para sediar uma reunião de cúpula mundial do clima no ano que vem.
Houve uma sucessão enorme de problemas nas obras do PAC desde que o governo começou, mas no caso da Usina de Belo Monte está em curso um fenômeno estranho: o consórcio que ganhou a concorrência está se desfazendo aos poucos. Primeiro saiu a Bertin que, a propósito, tem um problema por semana com seus credores. "O Estado de S. Paulo" publicou semana passada que estão para sair do consórcio a Galvão Engenharia, Serveng, Cetenco, Contern, Mendes Junior e J.Malucelli. O consórcio montado no Planalto, por interferência direta do governo passado, está se desmontando como um castelo de cartas.
Essa debandada mostra que a entrada da Vale não foi por qualquer avaliação sólida da viabilidade econômico-financeira do empreendimento, mas a primeira demonstração de que a empresa segue ordens do Planalto. Mas a Vale não foi o suficiente. Agora, outros terão de entrar para salvar o consórcio.
O empreendimento tem problemas de engenharia, de viabilidade financeira, de custo fiscal, de conflitos diplomáticos, de segurança de produção de energia, ambiental, social e agora também é um problema empresarial. Só a teimosia explica por que não é postergado ou suspenso. Belo Monte é um mau negócio e um alto risco, qualquer que seja o aspecto pelo qual se analise a obra. E é um dos dois projetos que a presidente Dilma pessoalmente defende. O outro é o trem-bala, também uma incógnita do ponto de vista de custo para os cofres públicos.
Com projetos de infraestrutura duvidosos, uma base parlamentar rebelada, o ministro mais forte acuado, com dúvidas sobre sua saúde e com o ex-presidente dando demonstração de que quer tutelar sua sucessora, a presidente Dilma precisa urgentemente salvar seu próprio governo.
Primeiro, ex-presidente é como o nome diz, um ex. Ela é a dona do mandato, da cadeira, da caneta. De alguma forma isso tem de ficar mais explícito. Uma semana mais dessa exibição de "quem manda aqui sou eu" do presidente e nada mais sobrará do governo Dilma. Segundo, o ministro Palocci tem de sair do esconderijo onde se escondeu e dar as explicações devidas. Terceiro, respostas sobre a saúde da presidente têm de ser dadas com clareza, porque um dos ônus de ter o cargo mais importante da República é o de perder a privacidade em alguns temas, como por exemplo, a saúde.
Em relação ao Código Florestal no Senado, o melhor a fazer é encontrar um relator que consiga trabalhar pela conciliação; não pode ser um senador que já comece dizendo que concorda inteiramente com o texto aprovado na Câmara. Isso deixará à presidente o ônus político do veto.