Sentimentos, impasses e soluções

Sentimentos, impasses e soluções

 

Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e de Mercado, e do Instituto de Pesquisas Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br

 

Das discussões sobre a reforma do sistema eleitoral levadas a efeito até agora no Parlamento, no âmbito da reforma política, os seguintes sentimentos vem à baila:

  1. de que houve um erro em formar duas Comissões Especiais para discutir o assunto, uma no Senado e outra na Câmara. Puro desperdício de tempo e energia. Elas se vão encontrar mais adiante, porém cada uma falando uma linguagem diferente
  2. de que é impraticável os trabalhos da Câmara evoluírem satisfatoriamente com uma Comissão de 80 membros, cada qual com um modelo diferente de sistema de eleição parlamentar na cabeça, até porque a maioria de seus partidos não definiu posições, nem muito menos fechou questões sobre a pauta em debate;
  3. de que a reforma do sistema eleitoral, núcleo central das discussões, corre um seríssimo risco de não vingar, mais uma vez. Os dois maiores partidos da Câmara defendem posições antagônicas (PT, o voto proporcional em lista pré-ordenada; o PMDB, o voto majoritário na modalidade tupiniquim de distritão). Esses dois partidos têm, juntos, 166 parlamentares, 32,4% da Casa. Os dois outros grandes e influentes partidos, PSDB e DEM, não marcaram posição ainda e o Centrão – sim, ele está de volta! – não quer mexer na modalidade em vigor;
  4. de que qualquer mudança de sistema eleitoral só avançará se o governo usar de sua força política, mobilizando a ampla base aliada nas duas Casas em favor de determinado modelo;
  5. de que tem havido certo consenso quanto ao fim das coligações proporcionais, pelo menos no âmbito das Comissões. Mas não se tem tanta certeza de que a propositura passe assim, tranqüilamente, no Plenário. Pode acontecer algo como o fenômeno da “Espiral do Silêncio”(se as pessoas perceberem ou imaginarem que sua opinião é minoritária, elas estariam menos propensas a expressá-la, ocultando-a, inicialmente, e, em seguida, aderindo ao que pensa a maioria”); Basta imaginar qua a unanimidade detectada nas Comissões deve-se à pressão externa pelo fim do mecanismo das coligações, e que a maioria do Plenário não quer esse fim.
  6. de que a importação de novos modelos de eleições de deputados e vereadores esbarra em vários obstáculos, principalmente, em:
  7. ruptura com o modelo proporcional vigente, tradição eleitoral que já perdura 65 anos no sistema brasileiro;
  8. complexidades de alguns sistemas; por exemplo, os distritais, exceto o distritão – em que a jurisdição eleitoral é o município ou o estado – começam com um grande desafio político-operacional: demarcação dos distritos eleitorais (no Reino Unido, que adota o distrital puro, há 646 distritos, com tamanhos variando de 35.000 a 110.000 eleitores); o distrital misto, ainda por cima, combina o modelo majoritário com o proporcional, em que o eleitor vota duas vezes;
  9.  o medo do novo, do inusitado, do experimento. Se o parlamentar tem sido e está sendo eleito pela modalidade em vigor, por que correr o risco de adotar uma sistemática diferente?

Em recente proposta de reforma eleitoral* foi aventada a possibilidade de que, face às dificuldades mencionadas, e tantas outras que permeiam o debate sobre sistema eleitoral no Parlamento, a saída pragmática seria aperfeiçoaro modelo proporcional atual (como parte de um processo, quem sabe, em direção ao sistema de lista fechada), eliminando suas grandes distorções:

  1. as coligações partidárias; (ii) a influência eleitoral dos puxadores de voto, e (iii) uma incoerência do sistema, que proíbe os partidos que não alcançam o quociente eleitoral de participar da distribuição de sobras de votos.

Uma clara resistência ao fim das coligações proporcionais, item (i), deriva do fato de que as siglas pequenas, incluindo aquelas mais ideológicas, tendem a desaparecer ou a permanecer no sistema como meros figurantes, sem nenhuma possibilidade de assunção ao Parlamento.

O item (iii) da proposta** é uma abertura para que tais siglas possam disputar as sobras eleitorais minimizando parcialmente o fim das coligações, posto que aquelas agremiações de alguma densidade de votos (vale dizer, de relativo apoiamento de grupos da sociedade) teriam condições de almejar representação parlamentar e, portanto, ficariam incentivadas a solidificar sua estrutura partidária e conquistar mais adeptos.

Claro que ainda assim haveria diminuição (desejável) na atual multiplicidade de partidos. Mas os partidos com votações relativamente expressivas (no entorno do quociente eleitoral) poderiam permanecer no sistema, com chance de eleger representantes, fazendo-se justiça ao apoiamento eleitoral que têm na sociedade.

A questão incômoda dos puxadores de voto, item (ii), também já abordada alhures***, é muito simples de ser resolvida, no âmbito do atual sistema proporcional, eliminando-se a possibilidade de candidatos olímpicos tornarem-se parlamentares com sobras eleitorais de puxadores de votos. Pela metodologia proposta, preserva-se o direito indiscutível do afortunado de votos de participar do processo eleitoral, ser eleito com méritos, porém se evita que sua votação excedente ao quociente eleitoral seja transferida para candidatos franco-atiradores, de poucos votos, em detrimento de postulações mais representativas.

Em resumo, como etapa de um processo de melhoria do sistema político-eleitoral brasileiro, uma solução juridicamente simples (requer apenas legislação infraconstitucional), operacionalmente elementar, e politicamente factível, é manter o atual modelo proporcional para eleição de parlamentares, porém expurgando as coligações, eliminando a transferência de votos para candidatos eleitoralmente inexpressivos, e conferindo oportunidade a que partidos menores, porém densos, eleitoralmente, possam ascender ao Parlamento, mesmo sem atingir o quociente eleitoral.

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publicado 07/04/2011 - 08h43