Por Adriano Oliveira – Cientista político. Professor da UFPE. Fundador da Cenário Inteligência.
Como ficará marcado o 8 de janeiro? Existirão duas versões principais. Para alguns, representará o levante contra a corrupção do PT, pois o Lula não poderia, de modo algum, voltar para a presidência da República. Outros dirão que foi tentativa de golpe contra um governo democraticamente eleito. O desempenho do novo governo do PT definirá qual versão irá predominar na opinião pública e nos livros.
O sucesso do governo do PT na economia contribuirá fortemente para a desbolsonarição da política. Porém, como já frisei em outros artigos, a desbolsonarização ocorrerá. A dúvida é com qual força. Caso a gestão Lula seja de regular para péssimo na economia, a desbolsonarização resistirá, porém, rivais de Jair Bolsonaro, o “líder”do bolsonarismo, o enfrentarão e defenderão a política civilizada. Portanto, o enfraquecimento do bolsonarismo ocorrerá. E um novo fenômeno poderá surgir.
O 8 de janeiro mostrou que Bolsonaro não é líder. Ele “fugiu” do Brasil. Não é novidade para os atentos à dinâmica política brasileira que Bolsonaro sempre teve a intenção de enfraquecer a democracia. Por ser um líder sem visão de país e com profunda incapacidade de diálogo, ele desejava liderar desrespeitando as instituições e sem nenhuma oposição.
O bolsonarismo, não custa repetir, é fenômeno ideológico, ao contrário do lulismo, o qual é fenômeno econômico. Ambos precisam de lideranças para que sobrevivam no eleitorado. O Lula mostrou que é líder nato, que sabe apresentar a sua história de vida e conquistar os sentimentos do eleitorado. Bolsonaro, ao ganhar a eleição, foi, equivocadamente e apressadamente, definido como líder. Mas o dia a dia do seu governo mostrou que ele é despreparado para o exercício do cargo e incapaz para a prática da boa política.
Caso o líder do bolsonarismo não fosse Bolsonaro, o bolsonarismo teria futuro já que ele é fenômeno ideológico que se contrapõe ao lulismo, o qual, repito, é fenômeno econômico. Não adianta falar, pois é equívoco, que Tarcísio de Freitas ou Romeu Zema poderão herdar o bolsonarismo. Este morrerá caso o governo do PT não seja decepcionante na economia. Todavia, a agenda ideológica que se contrapõe ao PT e ao lulismo permanecerá à procura de um líder.
O 8 de janeiro mostrou que as instituições brasileiras são fortes na defesa da democracia. Elas funcionam, embora tenham o seu jeito de funcionar. É simplista dizer que elas funcionam. É necessário mostrar como elas funcionam. Vejam que as instituições brasileiras reagiram, acertadamente, a Lava Jato, pois esta queria desorganizar o sistema político e substituí-lo por um sistema utópico.
As instituições mostram que estão maduras para aceitar até um certo limite práticas que não condiz com a visão simplista e romântica da política. E que reagem quando a democracia e, claro, as instituições, estão em perigo.
Existe uma nuvem sobre os militares. Culturalmente, muitos acreditam que são “superiores” aos civis e rejeitam, por razões compreensíveis, o PT. Neste último ponto, observo que os argumentos deles contra o PT caem por terra quando aceitaram a bolsonarização das Forças Amadas. Não sei dizer em qual grau está a bolsonarização nas Forças, mas sei que existe.
O novo governo do PT deve dialogar com os militares, ouví-los e convencê-los de que o lulismo tem méritos e que admite correções. E mais além: mostrar que o lulismo permite alternância de poder, enquanto o enfraquecido bolsonarismo não. E que só com alternância do poder, ou melhor, com democracia, é que o lulismo ou outro fenômeno pode ser substituído sem crises graves.