POR Maurício Costa Romão – Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Políticas e de Mercado e do Instituto de Pesquisas Maurício de Nassau.
“Determinado partido político (PC do B) – no Piauí -, para cumprir a lei e ter o número de mulheres inscritas exigido, registrou a candidatura de uma mulher [Millane Patrícia] que não fez campanha. Ela mesma não votou em si, mas em um companheiro de partido [Robert Rios], o qual, após ter sido eleito, agora vai ser Secretário de Segurança. Ela, que teve casualmente 30 votos, vai assumir o mandato? Sim, pela interpretação do STF”. Extrato do discurso do Deputado Federal Marcelo Castro (PMDB-PI), na Câmara Federal, em 09/02/2011.
O STF, em votação colegiada, não obstante provisória, no conhecido caso de Rondônia, entendeu que a vaga aberta pela renúncia de deputado de um partido deveria ser preenchida pelo primeiro suplente da própria sigla, e não pelo primeiro suplente da coligação da qual é componente (a partir daí outras cinco liminares foram concedidas, monocraticamente, consubstanciadas no mesmo teor).
A surpreendente decisão gerou enorme insegurança jurídica, até porque não tinha eficácia vinculante, no que concerne ao chamamento de suplentes em todos os Parlamentos do país: algumas dessas Casas fizeram-no consoante o ritual histórico, obedecendo à listagem expedida pela justiça eleitoral, e outras, preferiram lastrear-se na decisão precária exarada por aquela corte máxima. Os suplentes da vez, preteridos num e noutro caso, entraram com reclamações jurídicas tão logo se oficializaram as convocações.
Foi exatamente este o caso da estudante Millane Patrícia Moura que reivindicou na justiça, na qualidade de primeiro suplente do PC do B, a vaga aberta no legislativo estadual do Piauí pela licença de deputado do mesmo partido. Estava no seu direito.
Muita gente, equivocadamente, viu na demanda judicial da estudante uma atitude ousada e descabida, posto que a suplente tivera apenas 30 votos no último pleito. O problema não tem nada a ver com quantidade de votos. Tanto faz Millane ter tido 30, quanto 30 mil votos. Ela apenas se valeu de uma brecha permitida pela inusitada decisão do STF.
O cerne da questão é a repentina violação da norma histórica que tem presidido os Parlamentos do país, sempre preenchendo as vagas legislativas oriundas de partidos coligados, nos casos de licença, renúncia, morte ou perda de mandato parlamentar, obedecendo à lista de suplentes da coligação, enviada pela justiça eleitoral, nunca na ordem de votação da legenda que a compõe.
E qual a razão desse procedimento histórico dos legislativos? Para assunção aos Parlamentos os candidatos se valem da votação conjunta da coligação, não importando a contribuição de votos de cada partido da aliança. Eles se elegem então pela coligação (juridicamente, um partido), e não pelas agremiações componentes, embora os mandatos vão ser exercidos em nome das legendas partidárias.
O quociente partidário, que determina o número de vagas da coligação, depende do somatório de votos nominais e de legenda da coligação como um todo; não há quociente partidário das siglas componentes da aliança, até porque a legenda não existe no interior da coligação.
Ao cabo dos pleitos a justiça eleitoral apura quantas vagas cabem à coligação, preenchendo-as consoante a listagem ordinal dos candidatos mais votados, independente dos partidos a que pertençam. O candidato que ficou com a maior votação imediatamente abaixo da votação do ocupante da última vaga será o primeiro suplente da coligação, qualquer que seja a sua sigla partidária.
Então, aberta a vaga legislativa, tem-se convocado o suplente da coligação, na ordem de votação constante da lista da justiça eleitoral. Claro que o pleno do STF, em decisão final e com eficácia erga omnes, pode até vir a determinar que a vaga seja do partido, mas é razoável supor que se o fizer será com vigência a partir da eleição de 2012. Aí, tudo bem, não se alterariam as regras que foram estabelecidas para o pleito de 2010.
Mas, para evitar a deflagração de um conflito político-jurídico de dimensões gigantescas, requerendo-se, inclusive, outra eleição, é quase certo que aquela egrégia corte não referende as decisões liminares exaradas até agora e, pelo menos para a legislatura em curso, mantenha o entendimento de sempre: a vaga é da coligação, conforme, aliás, o legislativo federal pretende emendar a Constituição nesse sentido.