Por Adriano Oliveira – Doutor em Ciência Política. Professor da UFPE. Fundador da Cenário Inteligência – Pesquisas e Estratégias.
São as pesquisas qualitativas que ofertam subsídios para a construção da sociologia brasileira. Através delas, tenho tido a oportunidade de decifrar as visões de mundo dos eleitores. Desde 2006, após o Escândalo do mensalão, que a palavra sistema tem sido verbalizada por diversos votantes. Na era bolsonarista, ela apareceu com intensidade. Sistema é palavra típica dos eleitores.
Na época de Lula, foram vários votantes que frisaram em grupos focais que o sistema político brasileiro era podre, corrupto. Por que um pobre, bom presidente, que ajudou as pessoas, não poderia roubar? Esta indagação fazia parte dos argumentos de alguns eleitores lulistas. O sentimento encontrado era: “Se todo político rouba, por que Lula não pode roubar?”. Durante a Operação Lava Jato, o argumento de “que todo mundo rouba” permaneceu. Embora, nesta época, o lulismo tenha sofrido forte baque, ao contrário do que ocorreu na época do Escândalo do mensalão.
Em razão da Lava Jato, o bolsonarismo surge e ganha tração concomitantemente com o forte desgaste da classe política e do sistema político. Os eleitores de Bolsonaro afirmavam, enfaticamente, nos grupos focais, que o sistema estava podre em virtude da assombrosa corrupção, e que era necessário alguém de coragem para enfrentá-lo. Jair Bolsonaro era, de acordo com diversos votantes, o sujeito capacitado para limpar e consertar o sistema.
Após o sucesso eleitoral de Bolsonaro, nova tese surgiu: o sistema não deixa Jair Bolsonaro governar. As entrevistas em profundidade realizadas nas eleições de 2020 revelaram que o sistema, formado por políticos corruptos que permaneciam no poder, não facilitava a vida do então presidente da República. Segundo os participantes das pesquisas, Bolsonaro queria fazer o melhor, mas os políticos não deixavam. Aos poucos, as instituições, em especial, o Supremo Tribunal Federal (STF), passaram a ser responsabilizadas pela inércia ou incompetência do governo Bolsonaro.
As ações de Bolsonaro no exercício do mandato contra as instituições eram justificadas com os seguintes argumentos: “Bolsonaro precisa enfrentar este pessoal. Está tudo dominado. Ninguém deixa o homem governar. Ele é bem-intencionado, mas não deixam”. Observem que o sentimento dos eleitores bolsonaristas extraídos das entrevistas em profundidade era que o presidente da República não governava bem, porque o sistema, políticos e instituições, não deixavam. Em nenhum momento, no período de 2020 a 2022, detectei nas pesquisas qualitativas, argumentos de eleitores bolsonaristas condenando os ataques do ex-presidente da República às instituições e à democracia. A crença deles era: “O homem precisa enfrentar os inimigos. Limpar o sistema”.
Mas, afinal, o que é sistema? De acordo com os eleitores que pronunciam tal palavra para construir justificativas, o sistema é uma organização informal formada por políticos e instituições que agem coletivamente e concomitantemente para manter a ordem das coisas. Isto é: para não existir mudanças nos mecanismos de funcionamento do sistema. Se o sistema é corrupto, segundo os eleitores, indivíduos e instituições agem para não ocorrer a destruição da ordem vigente.
Reconheço que o sistema reconhecido e explicado pelos votantes nas pesquisas qualitativas existe. Concebo ele como um conjunto de atores e instituições que têm visões semelhantes e que agem para distribuir benefícios. Alguns recebem mais benefícios do que outros. Em dados momentos, atores podem ser punidos por terem decidido, de alguma forma, contrariar o sistema ou exagerar no ganho de benefícios.
A operação Lava Jato tentou destruir o sistema. Inicialmente, desculpa a minha inocência, com intenções republicanas. Em seguida, os atores da Lava Jato desejaram criar o seu próprio sistema e obter benefícios com ele. O bolsonarismo é fruto do enfraquecimento do sistema. Todavia, o sistema reagiu, e o bolsonarismo teve que ceder ao sistema. O bolsonarismo queria criar o seu próprio sistema, o qual, não era, necessariamente, a representação notória do interesse comum. Hoje, o presidente Lula tentou, mas já desistiu, de enfrentar o sistema. A Câmara dos Deputados enviou recados ao mandatário da República. Não será surpresa se o orçamento secreto, instrumento criado na era bolsonarista e que sustentou o sistema bolsonarista, voltar.
A Lava Jato e Jair Bolsonaro tentaram enfrentar um sistema que funciona bem. É claro, que este sistema comete exageros. Em razão deles, Dallagnol e Sérgio Moro surgiram. Jair Bolsonaro tentou quebrar o sistema vigente e criar o seu atacando as instituições e a democracia. O STF agiu, inicialmente. Em seguida, após a eleição do presidente Lula, outras instituições têm enfrentado o fraco sistema bolsonarista, o qual atenta contra a democracia. O sistema seguirá a existir com os seus aspectos positivos e negativos. Ele oferta benefícios e custos. E cada eleitor tem o seu próprio entendimento do sistema.