Intenção de voto ou sentimento do eleitor?
Por Adriano Oliveira – Doutor em Ciência Política. Professor da UFPE. Fundador da Cenário Inteligência – Pesquisas e Estratégias.
Foram as obras de Antônio Damásio e Daniel Kahneman que me alertaram sobre os limites da intenção de voto advindo da pesquisa quantitativa. Damásio revela que os sentimentos importam e eles podem ser extraídos das falas dos indivíduos. Kahneman esclareceu que a mente humana tem dois sistemas: o sistema 1 e o sistema 2. No primeiro, a resposta é imediata. No segundo, a resposta é dita após raciocínio/avaliação advindo de um incentivo ou não.
Quando você indaga ao eleitor em quem ele pretende votar na eleição para prefeito, a tradicional pesquisa quantitativa disponibiliza vários nomes. O entrevistado utiliza o sistema 1, e não revela os seus sentimentos. O todo da pesquisa mostrará uma suposta preferência eleitoral. Contudo, o que incentiva/motiva a escolha do eleitor? Os sentimentos e desejos dos votantes. Estes estão contidos no sistema 2 idealizado por Daniel Kahneman.
Ao contrário da pesquisa quantitativa, a pesquisa qualitativa tem a oportunidade de identificar, através da técnica entrevista em profundidade, a qual enfraquece restrições inibidoras a fala do entrevistado, os sentimentos e desejos dos votantes no presente e em breve futuro. Na eleição de 2020, um prefeito, com aprovação de 52%, não sabia a razão de não conseguir ultrapassar o seu principal opositor na intenção de voto. Após a pesquisa qualitativa, ele descobriu que para vencer teria que defender a era X (o ex-prefeito bem avaliado que o apoiava + a sua era), e não apenas o seu período como gestor. Resultado: venceu a eleição.
O candidato Antônio está entusiasmado com a iminente vitória em razão de liderar, com folga, a disputa eleitoral. Por consequência, ele canta vitória antecipadamente, já que só tem em mãos a intenção de voto – informação limitada. Todavia, o seu opositor, Carlos, munido de pesquisa qualitativa e quantitativa, descobriu que os votantes optam, majoritariamente, por Antônio, em razão deste já ter sido prefeito por duas vezes e ser o mais conhecido. Mas não só isto: Antônio e Pedro (outro candidato) já foram prefeitos e o sentimento do eleitor para 2024 é escolher um candidato que nunca tenha tido a oportunidade. Portanto, apesar de Carlos “só” ter 5% de intenções de voto, ele tem condições de vencer a eleição caso construa estratégias eficientes.
O resultado da última eleição presidencial é fortemente debatido com argumentos quantitativos, especificamente, a mínima diferença entre Lula e Bolsonaro no 2° turno. Isto é importante. Porém, as pesquisas qualitativas da Cenário Inteligência no Nordeste, revelavam, já em 2021, que a eleição presidencial seria caracterizada pelo medo. Isto significava, e as pesquisas quantitativas trouxeram o “medo” em dado momento da campanha eleitoral, que o menos rejeitado, ou seja, o que provocasse o menor sentimento de medo no eleitor, venceria a disputa. Vejam, portanto, que o que explica a diferença mínima de votos é o sentimento predominante (Variável independente).
Várias pesquisas quantitativas têm mostrado razoável aprovação do governo Lula. Olho para trás, e lembro dos sentimentos de variados votantes para com Lula na era da Lava Jato. Nesta época, era comum votantes nordestinos expressarem os seguintes sentimentos nas entrevistas em profundidade: “Ele roubo, mas fez”, “corrupto”, “basta”, “deu com uma mão e tirou com a outra”. Hoje, com a volta do lulismo ao poder, são raras as menções associando o presidente Lula à corrupção. O que escuto: “Tá tentando”, “ainda tá cedo para avaliar”, “tá melhorando”. Portanto, o desaparecimento da Lava Jato mais o retorno de Lula à presidência possibilitam o enfraquecimentos dos sentimentos negativos para com ele.
Após as eleições primárias na Argentina, questionamentos aos institutos de pesquisa vieram à tona, assim como ocorreu na última eleição presidencial brasileira. Javier Milei, o não-favorito, de acordo com as pesquisas quantitativas, foi o mais votado. A abstenção foi recorde, 30,38%. Em razão da abstenção, as pesquisas não conseguiram predizer o resultado da eleição? Explicação plausível caso o nosso mundo seja exclusivamente quantitativo.
Infelizmente, a escolha dos eleitores é fortemente interpretada quantitativamente. Em trabalho apresentado na Associação de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, “Decifrando o mercado eleitoral de pesquisa no Brasil”, revelei a ausência de pesquisas qualitativas registradas em todo o Brasil no período de 2012 a 2018.
O comportamento do eleitor não se resume a uma intenção numérica. Os sentimentos dele para com a gestão, o presente, o futuro e aos pleiteantes, importam. Toda eleição, nacional, estadual ou local, tem um sentimento majoritário, o qual pode ser identificado através da pesquisa qualitativa e, no momento adequado, com a corroboração da pesquisa quantitativa. As falas dos votantes são fundamentais para decifrarmos seus sentimentos e suas escolhas.