Esquerda e direita explicam o Brasil?
Por Adriano Oliveira – Doutor em Ciência Política. Professor da UFPE. Fundador da Cenário Inteligência – Pesquisas e Estratégias.
O conflito entre Hamas e Israel deu força para o debate entre esquerda e direita; e bolsonaristas versus lulistas. Há muito tempo, os conflitos ideológicos no Brasil estão fora do lugar e são alimentados pela ignorância diária. Alguns, que se classificam de direita, insistem em trazer o debate moral para tentar desqualificar o lulismo. E muitos, que se dizem de esquerda, abandonam um dos principais ideários da esquerda ao excluir todos os pensamentos que fogem da sua cartilha.
O fraco debate ideológico que ganhou força e espaço com o advento das redes sociais cria a ideia de que o Brasil está fortemente polarizado e de que a agenda moral pode orientar, exclusivamente, a escolha do eleitor. Em pesquisa qualitativa realizada entre os eleitores do Recife no ano de 2021, constatei, junto com cinco pesquisadoras do curso de Ciências Sociais da UFPE, que a direita está associada à proteção dos ricos e à defesa da família. E a esquerda à defesa dos pobres e às liberdades.
Tais percepções advindas do eleitorado não contrastam com a definição clássica do cientista político italiano Norberto Bobbio. E utilizo essas percepções para mostrar como o debate ideológico está bem fora do lugar e não explica a sociedade brasileira. Ser de esquerda não é ser comunista, como bem insiste os bolsonaristas radicais. Ser de esquerda, como os próprios votantes definiram, é desenvolver ações que protejam os pobres e promovam a inclusão social. Ser de direita não é, necessariamente, defender os ricos, e desprezar os pobres, mas não priorizar instrumentos advindos do Estado para possibilitar a diminuição da desigualdade social.
O debate moral entre esquerda e direita recai, obrigatoriamente, nas discursões morais. Tanto a direita como a esquerda são defensoras das liberdades. Os extremos da esquerda e da direita não são, obrigatoriamente, promotores das liberdades, em especial, quando os seus interesses para a manutenção do poder são contrariados. O debate da defesa da família faz parte da agenda da direita. Mas isto não significa que a esquerda despreze este debate. Existe, porém, visões de mundo diferentes entre ambos sobre a definição de família.
Os evangélicos, equivocadamente, estão associados no Brasil à direita. Mas existem evangélicos de esquerda. Contudo, observo que os evangélicos não cabem nestes espectros ideológicos, pois são movimentos com identidades e valores próprios que estão inseridos nos aspectos econômicos e morais. Portanto, não defino os evangélicos como de esquerda e nem de direita.
Não desprezo a história para decifrar a origem do Hamas. Reconheço, todavia, minha limitação de conhecimento para expor neste espaço as variáveis presentes na trajetória histórica que possibilitaram o surgimento dele. Ressalto, porém, que o Hamas, em seu estatuto, defende a extinção do Estado de Israel e os ataques recentes promovidos são atos terroristas. Deste modo, o Hamas é uma organização terrorista presente em território palestino. Mas isto não significa que os palestinos são terroristas.
É desproposital resumir os conflitos entre Israel e Hamas a um debate entre esquerda e direita. Assim como não é coerente associar PT e lulismo à organizações criminosas presentes nas periferias, em particular, na cidade do Rio de Janeiro. Por ser fenômeno econômico, o lulismo está bem presente nas periferias brasileiras. E, em razão dos evangélicos, os quais estão fortemente presentes nas áreas pobres do Brasil, é observado a presença do bolsonarismo e o uso da fé nos conflitos armados entre traficantes. Contudo, não se pode afirmar, de modo algum, que lulismo, bolsonarismo e evangélicos estão associados ou são produtos da criminalidade.
O debate ideológico entre esquerda e direita não explica satisfatoriamente o lulismo, o bolsonarismo e a força dos evangélicos. Estes fenômenos/movimentos são instrumentos, que não cabem no debate ideológico, que são utilizados pela sociedade para a conquista dos seus objetivos. Eles são movimentos sem clareza ideológica, já que possuem identidades próprias que não se resumem a mera divisão entre esquerda e direita. Diante desta realidade, chego à seguinte indagação: O Brasil está polarizado entre bolsonarismo versus lulismo?
O bolsonarismo é fenômeno moral e o lulismo, econômico. Portanto, são movimentos, aparentemente, distintos. O que conduz fortemente a escolha do eleitor: os incentivos morais ou econômicos? Desde 1994, as eleições presidenciais brasileiras têm mostrado que a economia importa. Outro ponto: Ainda não apareceu alternativa econômica ao bolsonarismo e ao lulismo. Ou melhor: no ambiente eleitoral, só existe o lulismo como fenômeno econômico. Caso um novo ator com discurso econômico surja e conquiste parcela dos votantes, tenho a hipótese de que ele enfraquecerá o bolsonarismo e, talvez, o lulismo. Portanto, a polarização existe, aparentemente, em razão da falta de opção.