Folha de São Paulo, 09/10/2011, Valdo Cruz e Sheila D`Amorim
A inflação vai cair em outubro. Quem assegura é o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, para quem "de jeito nenhum" o IPCA, índice oficial da meta de inflação, ficará acima da taxa registrada em setembro, quando atingiu o pico do ano ao bater em 7,31% no acumulado de 12 meses.
Para Tombini, que chegou a prever que o ponto mais alto da inflação em 2011 seria em agosto, nem mesmo uma piora no cenário externo muda sua previsão.
"Não. Estamos acompanhando isso. Temos coletas diárias e elas estão vindo, na margem, entre 0,30% e 0,40%", contra taxa mensal no mês passado de 0,53% e de 0,75% em outubro de 2010.
Em entrevista à Folha, na sede do banco em São Paulo, Tombini tratou ainda de embates que tem protagonizado, incluindo as acusações de que o BC, sob sua administração, assumiu mais riscos e está mais moderado no combate à inflação.
A atitude lhe rendeu o apelido de "pombini" no mercado financeiro -referência ao jargão que classifica de "pombo" banqueiros centrais adeptos de políticas mais suaves no combate à inflação.
Tombini diz que espera encerrar seu mandato com inflação na meta de 4,5% e um crescimento sustentável para o país, que calcula estar hoje entre 4,5% e 5%.
Folha – O BC está aceitando mais inflação para não sacrificar crescimento. Isso não vai contra os princípios do sistema de metas?
Alexandre Tombini – O BC nunca falou que inflação maior no curto prazo seria necessária para evitar que a economia deixasse de crescer. O BC tem por princípio que o dilema inflação versus crescimento é um falso dilema. Você não cresce mais porque tem mais inflação. O que ocorreu no mundo é que a inflação subiu em todos os países. O que dissemos em março deste ano foi que prevíamos inflação no centro da meta em dezembro de 2012.
Qual o custo econômico e político de o país ultrapassar o teto da meta em 2011 (6,5%)?
A expectativa do mercado está em 6,52%, ligeiramente acima do teto de 6,5%. Isso já tem repercutido. O regime está preparado para essas questões. Dos países que seguem o sistema de metas de inflação, várias economias (Inglaterra, Nova Zelândia e outras) estão com inflação acima da banda ou acima da meta.
Ao reduzir os juros na última reunião, o BC fez uma aposta?
O BC não faz aposta. Quem faz aposta são os agentes de mercado. Desde o início do ano, nosso plano de voo, junto com outras políticas, era moderar o crescimento da economia brasileira.
Há sinais cada vez mais nítidos de que essa moderação veio. Mas dissemos também que a política monetária atua com defasagem e que, no segundo semestre, a ação dessas políticas seria mais fortemente sentida. Isso vem ocorrendo.
O sr. chegou a prever o pico da inflação para agosto, agora passou para setembro, com o IPCA atingindo 0,53%. Não teme que isso seja transferido para outubro?
De jeito nenhum. A inflação de outubro do ano passado foi de 0,75%. O Focus [estimativas do mercado] está com previsão de 0,48% [para outubro deste ano].
Não há nenhum advento externo que possa mudar isso?
Não. Estamos acompanhando isso. Temos coletas diárias e elas estão vindo, na margem, entre 0,30% e 0,40% de inflação. Nossa perspectiva será um pouco mais alta do que isso, mas comparado com 0,75% de outubro do ano passado, é quase 0,30 ponto de baixa. Nosso horizonte é dezembro de 2012, mas em outubro a inflação em 12 meses vai começar a recuar em 0,30 ponto.
O BC reduziu para 3,5% a previsão de crescimento para 2011. O ministro Guido Mantega (Fazenda) e a presidente Dilma continuam trabalhando com 4%. Quem está mais otimista ou pessimista?
O BC tem as suas premissas. Nossas previsões de crescimento são mais imprecisas do que as demais projeções, mas são as melhores que temos internamente e divulgamos. O BC trabalha com autonomia nas suas avaliações, análises, nas suas decisões.
O sr. voltou a falar dos ajustes moderados na taxa de juros. Ajuste de 0,5 ponto percentual é moderado?
Não vou falar em níveis, mas comunicamos na decisão de agosto, quando reduzimos a taxa básica de 12,5% para 12% ao ano, que ajustes moderados seriam consistentes com a convergência da inflação para a meta de 2012. Essa visão continua válida.
A reclamação do mercado é que o BC de Tombini é mais imprevisível do que os anteriores. Como o sr. avalia isso?
O BC não pode adotar uma política de ser imprevisível. A previsibilidade tem ganhos. Naturalmente, quando há muita volatilidade, muita incerteza, é natural que ocorram diferenças. Não é anormal que ocorra isso.
Declarações da presidente Dilma e do ministro Mantega na véspera da decisão do Copom de cortar os juros criaram a impressão de interferência…
O importante em relação ao tema é que o Banco Central trabalha com autonomia.
Como é sua relação com a presidente Dilma?
O presidente do Banco Central é ministro de Estado. Portanto, temos que dialogar sobre economia global, brasileira. É normal que a presidente converse com seu presidente do Banco Central, seu ministro da Fazenda, para construir seus cenários.
Em algum momento, o sr. se sentiu pressionado nessas reuniões a reduzir juros e aumentar crescimento?
Não, absolutamente não. Há certa pressão em relação a qual é a visão do Banco Central em relação ao que está acontecendo. Uma cobrança de como o Banco Central está vendo o cenário internacional, brasileiro.
O pensamento do sr. não é parecido com o de Dilma, porque naquela época, quando era diretor do BC, o sr. chegou a defender um corte de juros que acabou não acontecendo?
Bem, se ela me convidou para ser presidente do Banco Central é porque deve haver alguma afinidade.
Temos meta de inflação de 4,5%, uma das mais altas do mundo. Quando o Brasil estará preparado para reduzi-la?
Vamos ter de avaliar o cenário global dos próximos anos para responder com precisão. O cenário mudou bastante, estamos entrando numa nova fase da crise.
No curto prazo não dá para reduzir essa meta.
Não, no curto prazo, não.
O mercado o avalia como um economista com uma atitude mais de pombo do que de falcão (mais conservador)…
Se é essa a avaliação, estou muito bem acompanhado no mundo hoje em dia [numa referência a outros bancos centrais que reduziram juros mesmo com inflação acima do centro da meta].
Qual Brasil o sr. espera deixar quando acabar seu mandato?
Um cenário de inflação estabilizada, na faixa que temos hoje, de 4,5%, que é a meta do Banco Central.
Mas no plano do desejo…
Inflação na meta, girando em torno da meta, uma economia crescendo de forma sustentável.
Hoje nosso crescimento potencial está em 4,5%?
4,5%, talvez um pouco acima disso.
Quanto?
Entre 4,5% e 5%.