Aplicação da metodologia que impede transferência de sobras eleitorais de puxadores de votos

Aplicação da metodologia que impede transferência de sobras eleitorais de puxadores de votos

 

Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e de Mercado, e do Instituto de Pesquisas Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br

 

Nas discussões da reforma política sobre os sistemas de eleição de parlamentares um dos argumentos mais usados pelos que preconizam a adoção do modelo majoritário- em que são eleitos os candidatos mais votados, independente do partido a que pertençam – é que a nova modalidade eliminaria uma excrescência do mecanismo proporcional em vigor, segundo a qual postulantes com votações irrisórias são guindados ao Parlamento arrastados por grandes votações dos chamados puxadores de voto.

O argumento defendido neste texto é o de que a questão dos puxadores de voto pode ser resolvida no âmbito do atual modelo proporcional, não havendo necessidade de mudança de sistema eleitoral por conta deste caso específico.

Com efeito, em recente proposta de reforma eleitoral* foi apresentada uma metodologia que elimina a possibilidade de candidatos olímpicos tornarem-se parlamentares com sobras eleitorais de puxadores de votos**.

Tal metodologia se sobressai pela simplicidade de aplicação, não alterando o modus operandi do processo eleitoral e, muito menos, do próprio sistema proporcional.  Requer-se apenas modificação tópica na legislação específica e um programa computacional que calcule o quociente eleitoral (QE) em duas etapas.

Quais são os passos dessa metodologia? Operacionalmente, trata-se de determinar os votos válidos da eleição e, por conseguinte, o QE, em duas etapas:

  1. Procede-se aos cálculos normais dos votos válidos do pleito e do QE, como é feito atualmente;
  2. Os candidatos que individualmente superaram o QE – os puxadores de votos – estarão eleitos por mérito próprio, como já acontece hoje;
  3. Subtrai-se do total de votos válidos de cada partido, cujo candidato ultrapassou o QE, a quantidade de votos desse candidato;
  4. Faz-se nova contagem dos votos válidos do pleito e determina-se o novo QE;
  5. Daí em diante procede-se como no sistema vigente, alocando-se as vagas restantes de acordo com o quociente partidário e a distribuição de sobras.

 

Note-se que pela sistemática sugerida, o excedente de votos do puxador sobre o QE não se transfere para o partido, como acontece no atual sistema, posto que a votação dele, puxador, já eleito, não entra nos cálculos dos votos válidos da segunda etapa.

 

Tome-se como exemplo de aplicação da metodologia a eleição de 2010 para deputado federal em Pernambuco. Naquele pleito cinco candidatos ultrapassaram o quociente eleitoral com excedente de votação que daria para eleger 2,76 deputados. Coincidentemente, todos os cinco candidatos pertenciam a uma mesma coligação, a Frente Popular de Pernambuco.  A Tabela 1 desfila os nomes e as votações desses candidatos.

TABELA 1DEPUTADOS FEDERAIS DE PERNAMBUCO QUE ULTRAPASSARAM O QUOCIENTE ELEITORAL NA ELEIÇÃO DE 2010

Deputado

Partido

Situação

Votação

QE

Votação Excedente

A. Arraes

PSB

Reeleito

387.581

176.207

211.374

E. da Fonte

PP

Reeleito

330.520

176.207

154.313

J. Paulo

PT

Novo

264.250

176.207

88.043

I. Oliveira

PR

Reeleito

198.407

176.207

22.200

Pastor Eurico

PSB

Novo

185.870

176.207

9.663

TOTAL

 

 

1.366.628

 

485.593

 

Fonte: elaboração do autor, com base em dados do TRE.

 

Na Tabela 2 estão mostrados os votos válidos dos partidos e coligações, bem como as cadeiras conquistadas, na configuração do sistema atual, e na hipótese de aplicação da metodologia que evita o transbordamento de votos dos puxadores.

Veja-se, inicialmente, que os quocientes eleitorais são diferentes nas duas situações. O QE da primeira é fruto da divisão de todos os votos válidos do pleito – aí incluídos os votos dos puxadores – pelo número de vagas no Parlamento. Já o QE da segunda resulta da mesma divisão, só que desta feita sem as votações dos puxadores, conforme descreve o passo (c) da metodologia antes apresentada. Por conta dessa supressão dos votos dos puxadores, o QE daí derivado é menor que o da situação anterior.

Nota-se que todas as 25 vagas disponíveis para a bancada pernambucana foram preenchidas por duas coligações, a Frente Popular de Pernambuco e a Pernambuco Pode Mais, tanto na modalidade atual, quanto na hipótese sem a influência dos puxadores de voto.

A diferença entre uma situação e outra é que a coligação Frente Popular de Pernambuco, de onde se originam todos os candidatos quer ultrapassaram o QE primitivo, perde uma cadeira quando a influência eleitoral desses candidatos é neutralizada. Essa cadeira é ganha pela coligação concorrente.

TABELA 2– VOTAÇÃO PARA DEPUTADO FEDERAL (PE) – 2010                                       SITUAÇÃO ATUAL E SEM PUXADORES DE VOTO

Legenda (Partidos/Coligações)

Votos Válidos

Eleitos

Votos Válidos S/ Puxadores

Eleitos

PRB / PT / PTB / PP / PC do B / PDT / PSC / PR / PSB/

3.270.447

20

1.903.819

19

PMDB / PPS / DEM / PSDB / PMN

889.371

5

889.371

6

QUOCIENTE ELEITORAL

178.008

 

154.179

 

PSL / PSDC/ PHS /PRP/ PT do B

149.237

0

149.237

0

PTN / PRTB

58.264

0

58.264

0

PV

43.256

0

43.256

0

PTC

24.980

0

24.980

0

PSOL

8.131

0

8.131

0

PCB

3.432

0

3.432

0

PSTU

3.082

0

3.082

0

TOTAL

 4.450.200

25

3.083.572

25

 

Fonte: elaboração do autor, com base em dados do TRE.

 

Do ponto de vista metodológico, tudo se passa como se o pleito fosse realizado em duas etapas: na primeira, como já é feita hoje, e na segunda, com novo cálculo dos votos válidos sem as votações dos puxadores.

A vantagem do método deriva do fato de que não se viola nenhuma regra ou fundamento do sistema proporcional de lista aberta, não se comete nenhuma injustiça a candidatos e, operacionalmente, tudo o que se requer é um simples programa computacional para perfazer os cálculos do pleito em duas situações distintas, mas com os mesmos candidatos e seus respectivos votos, tirante os votos dos puxadores.

Os partidos que hoje disputam avidamente a filiação de candidatos famosos, populares, futuros campeões de votos, continuarão a fazê-lo, pois a contribuição deles para a ultrapassagem do QE da primeira etapa é muito bem-vinda, além de que, naturalmente, esses campeões representarão tais partidos nos Parlamentos. Entretanto, os partidos não mais se beneficiarão desses puxadores para eleger candidatos olímpicos de suas hostes. 

A Tabela 3 apresenta a mesma aplicação da metodologia, porém para deputado estadual em Pernambuco, ainda na eleição de 2010. Neste pleito três candidatos ultrapassaram o QE: Pastor Collins (PSC: 137.157 votos), Presbítero Adalto (PSB: 120.175 votos) e Guilherme Uchôa (PDT: 99.953 votos). Esses puxadores são egressos de partidos que fizeram parte de uma única coligação: a Frente Popular de Pernambuco. Na hipótese discutida neste texto, essa coligação perderia dois deputados, após a supressão dos votos dos puxadores.

TABELA 3 –  ELEIÇÃO DEPUTADO ESTADUAL (PE) – 2010                                                          SITUAÇÃO ATUAL E SEM PUXADORES DE VOTO

 

 

Legenda (Partidos/Coligações)

Votos Válidos

Eleitos

Votos Válidos S/ Puxadores

Eleitos S/ Puxadores

 
 

PRB / PP / PDT / PT / PTB / PSC /

 PR / PSB / PC do B

2.772.520

33

2.415.235

31

 

PSDB

454.104

5

454.104

5

 

PSL / PSDC / PTC / PT do B

313.561

3

313.561

4

 

PHS

241.853

2

241.853

3

 

DEM

184.376

2

184.376

2

 

PMDB / PPS / PMN

172.195

2

172.195

2

 

PV

131.156

1

131.156

1

 

PRP

129.319

1

129.319

1

 

QUOCIENTE ELEITORAL

91.824

 

84.533

   

PTN / PRTB

83.125

0

83.125

 

 

PSOL

9.322

0

9.322

 

 

PCB

4.167

0

4.167

 

 

PSTU

3.703

0

3.703

 

 

TOTAL

4.499.401

49

4.142.116

49

 
           

 

 

Fonte: elaboração do autor, com base em dados do TRE.

 

 

 

 

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publicado 30/03/2011 - 01h44