Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e de Mercado, e do Instituto de Pesquisas Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br“
Verdade eleitoral” é uma expressão que designa o maior mérito do sistema majoritário, na eleição de parlamentares: os candidatos mais votados são sempre os eleitos. Tal atributo está presente em qualquer dos subsistemas majoritários: distrital puro, distrital misto ou na vertente tupiniquim do distritão.
Por seu turno, os sistemas proporcionais, de lista aberta ou fechada, carecem dessa desejável propriedade, visto que, por esses mecanismos, nem sempre os candidatos mais votados ascendem ao legislativo, enquanto outros, menos votados, podem fazê-lo.
Mas, é de se perguntar então: sendo a verdade eleitoral tão bem-vinda, enquanto requisito de um sistema eleitoral, isso torna o modelo majoritário, que a possui, superior ao modelo proporcional, que não a possui, a ponto de está-se discutindo no Parlamento a substituição de um por outro?
Primeiro, é inapropriado falar-se de superioridade de um sistema sobre outro. De fato, num mapeamento de vários atributos desejáveis dos sistemas eleitorais (Jairo Nicolau) conclui-se que nenhum sistema satisfaz a todos os atributos. Segundo, todos os sistemas eleitorais têm distorções. Não existe nenhum perfeito e não há nenhum método de divisão proporcional justo (teorema de Arrow e teorema da impossibilidade de Balinsky e Young, respectivamente). Conclusão: a mudança de um sistema para outro envolve ganhos e perdas, já que todos os sistemas têm méritos e deméritos.
O fundamento do sistema proporcional é queo Parlamento deve refletir a pluralidade que caracteriza a sociedade, de sorte que os diversos grupos sociais possam estar lá representados, na razão direta de sua importância numérico-eleitoral. O corolário desse pluralismo político é que os assentos legislativos sejam ocupados de acordo com a proporção de votos obtida pelos partidos, representantes dos grupos sociais, através dos seus candidatos mais votados.
Acontece que os candidatos mais votados dos partidos não são necessariamente os candidatos mais votados da eleição, ou que têm mais votos do que os não eleitos. Distorção essa que altera a vontade do eleitor, potencializada pelo nefasto mecanismo das coligações.
Bom, então o sistema proporcional tem o mérito de possibilitar representação parlamentar para os diversos grupos sociais, inclusive as minorias, mas tem o grave defeito de não incorporar a verdade eleitoral na sua integralidade.
E o sistema majoritário? Seu maior cacife é exatamente a verdade eleitoral. Sempre e invariavelmente os candidatos mais votados serão os eleitos, independente de que partidos provenham, e como nesse sistema não há quociente eleitoral (requisito único e exclusivo dos sistemas proporcionais, fruto do problema matemático de “divisão proporcional” ou “partilha equilibrada”), os partidos não se submetem a proporções para ocupação de vagas legislativas. Um subproduto da não existência de quociente eleitoral é que sem ele as coligações proporcionais não fazem sentido.
Mas a presença da verdade eleitoral no sistema majoritário gera uma distorção tão grave quanto a sua ausência no sistema proporcional: não há garantia de pluralidade representativa da população no Parlamento, especialmente para as minorias. Os mais votados são, geralmente, os que podem mais, em especial num ambiente de grande prevalência não republicana do poder econômico.
E como os mais votados são os eleitos, independente de que partido sejam egressos, tende a haver concentração de votos nos partidos mais fortes e conseqüente aniquilamento de agremiações menos pujantes, exacerbando a questão da representatividade político-social.
Enfim, o sistema majoritário tem o mérito da verdade eleitoral, que respeita a vontade do eleitor, mas peca por não democratizar a representação parlamentar com segmentos vários da sociedade, quer dizer, não faz uma “partilha equilibrada” do poder político. E agora?