Por Adriano Oliveira – Doutor em Ciência Política. Professor da UFPE. Fundador da Cenário Inteligência.
O ex-ministro Anderson Torres em depoimento à Polícia Federal disse que a “orientação jurídica” para o golpe foi possivelmente colocado em sua estante pela empregada doméstica. São as empregadas domésticas que geralmente e injustamente são culpadas por tudo que ocorre nos espaços privados do Brasil. O relógio sumiu, foi a empregada. Os R$ 10,0 que estavam em cima da mesa foi pego pela empregada. O rádio quebrou, a empregada estava com ele. A empregada é, tradicionalmente, o problema.
Na suposta tentativa de golpe, quatro atores destacam-se: 1) Jair Bolsonaro; 2) Anderson Torres; 3) General Braga Neto; 4) General Augusto Heleno. Diante das evidências apresentadas até o instante, deve-se considerar que o ex-presidente da República: 1) Perdeu a eleição e ficou em silêncio; 2) Não cumprimentou o vencedor da eleição presidencial; 3) Não se pronunciou fortemente contra os acampamentos; 4) Sempre colocou em dúvida a credibilidade das urnas eletrônicas; 5) Não solicitou respeito ao presidente da República eleito; 6) Fez leves considerações ao 8 de Janeiro; 7) É possível que tenha tido encontro com o senador Marcos do Val e o ex-deputado Daniel Silveira; 8) Segue nos Estados Unidos.
Anderson Torres foi para os Estados Unidos às vésperas das manifestações terroristas do 8 de janeiro. O general Braga Neto orientou os manifestantes “a não perderem a fé” em 18/11/2002. Em 19/12/2022, o general Heleno afirmou “Não” quando indagado se “bandido subiria a rampa”. Por que o ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro e então secretário de segurança pública do Distrito Federal foi passear na América diante da iminente possibilidade de protestos? Quais os significados, naqueles instantes, das respostas dos generais?
As investigações das instituições trarão respostas para as indagações apresentadas. E são elas que me preocupam. Não é possível mais infantilizar Jair Bolsonaro. Caso apareçam provas que revelem a participação do ex-presidente em tentativa de golpe, ele deve ser preso? Se sim, como reagirá a militância radical bolsonarista? Qual é o melhor momento de prender Jair Bolsonaro, caso fatos justifiquem a prisão? Se Bolsonaro for preso, generais poderão também ser? E se forem, o que dirá as Forças Armadas?
Durante a Operação Lava Jato e as investigações contra o então presidente Michel Temer, defendi a construção de um acordão para salvar o sistema político. Era, através dele, que a política e a democracia seriam preservadas. Neste momento, em razão da suposta tentativa de golpe contra a democracia, não vejo justificativa para a defesa do acordão, pois se ele vier a existir, a democracia, que possibilita a prática política, seguirá sofrendo ameaças.
A condução da Lava Jato foi irresponsável e produziu crises política e econômica. As investigações contra as possíveis reuniões prol golpe podem produzir, também, crises, e ameaçar, inclusive, para a estabilidade do governo Lula. Contudo, se um ponto final não for encontrado, o qual ocorrerá com a punição dos sujeitos que supostamente tentaram um golpe, as instituições brasileiras ficarão enfraquecidas para defender a democracia em breve futuro. Elas sempre estarão sob ameaças de extremistas.
Não é a polarização, tese tão bem propalada por pessoas que considero inteligentes, como Michel Temer, que tem motivado discussões sobre atentados contra a democracia. É o extremismo que que ameaça o Estado de Direito. E, também, alguns míopes políticos que usam a democracia para chegarem ao Legislativo e que são reféns das repercussões das redes sociais. Eles fazem a opção pela política incivilizada e incentivam atos que contrariam o convívio civilizado.
A anistia aos militares talvez tenha sido saída adequada para o retorno da democracia. A ausência de um golpe militar em 2022, inclusive, pode ter sido consequência dela. Apesar da politização de parcela das Forças Armadas, elas, como instituição, respeitaram o resultado das urnas. O centrão, aliado do governo Bolsonaro, fez a opção, por enquanto, pelo governo Lula. Os presidentes da Câmara, do Senado, e do Supremo Tribunal Federal, defenderam, fortemente, a democracia em discursos recentes. O atual presidente da República é democrata desde que nasceu.
Portanto, não vejo como estratégia ótima, apesar das turbulências que deverão surgir, que, na verdade, já estão acontecendo, nenhum tipo de anistia para os que atentaram contra a democracia. A única exceção, corrijo-me, deve ser para a empregada doméstica, que, infantilmente, ao encontrar um documento em algum recinto da casa do senhor Anderson Torres, o levou para a estante. Ressalto que o seu ato despretensioso contribuí para trazer o Brasil à normalidade democrática e resgata a política civilizada.