Segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), entre 2001 e 2009 a renda per capita média brasileira subiu 23,7% em termos reais. Isto é, descontando a inflação e o crescimento populacional, o desempenho médio tupiniquim esteve longe de ser um espetáculo de crescimento.
O cálculo da renda média assume pesos maiores para as rendas maiores. Cada um vale o que ganha. Se apontarmos o binóculo para a plateia, quem se sentou na primeira fila, e quem perdeu o show do crescimento?
A renda dos 10% mais pobres no Brasil subiu 69,1% no período. Esse ganho vai caindo paulatinamente à medida que nos aproximamos do topo da distribuição, atingindo 12,8% entre os 10% mais ricos, taxa de crescimento mais próxima da média do que a dos mais pobres.
Existe outra hipótese forte subjacente ao cálculo da renda per capita que referencia a maior parte das pesquisas acerca do binômio pobreza e desigualdade.
Tudo se passa como se, numa espécie de socialismo doméstico, cada membro do domicílio deixasse seu respectivo quinhão de renda num pote e de onde cada familiar depois retira uma parcela igual da renda.
Tendemos a zerar a desigualdade que não enxergamos.
O conceito de renda domiciliar per capita elimina -por construção- toda desigualdade existente entre os diferentes membros de uma mesma família. Por exemplo, se a mulher recebe menos que o marido no âmbito domiciliar, a perda delas é compensada pelo ganho deles.
Nesse sentido, a desigualdade entre brasileiros e brasileiras está subestimada na renda per capita. Agora, como se comportou no período 2001 a 2009 a desigualdade de renda média entre indivíduos que compõem diferentes segmentos da sociedade? Gênero: a renda delas sobe 37,7%; a deles, 16,6%. Reportamos também a razão de rendas colocando a dos mais pobres no numerador.
Nesse caso, a razão de rendas por sexo -mulheres por cima- sobe de 0,49 para 0,58 entre 2001 e 2009.
Raça: a renda de pessoas que se identificam como pretos e pardos sobe 43,1% e 48,5%, respectivamente, ante 20,1% dos brancos. A razão de renda entre pretos e brancos sobe de 0,53 para 0,62.
Escolaridade: a renda de pessoas sem nenhuma escolaridade sobe 53,5%, ante queda de 9% daquelas com pelo menos o nível superior incompleto. Essa conjunção de movimentos faz com que a razão de rendas dos menos em relação aos mais educados suba de 0,09 para 0,17.
Espacial: a renda da região mais pobre, o Nordeste, sobe 41,8%, ante 15,8% do Sudeste maravilha. A razão de rendas sobe de 0,43 para 0,53. Detalhando o perfil espacial, a renda sobe 46,8% no Maranhão, inicialmente o Estado mais pobre, ante 7,2% de São Paulo, o mais rico.
Em Sergipe, a renda sobe 58%. Fazendo um zoom nos municípios das capitais, a maior taxa de crescimento foi a de Teresina, com 56,2%. O destaque das periferias das metrópoles brasileiras foi Fortaleza, com 52,3%. Já a capital e a periferia da Grande São Paulo subiram 2,3% e 13,1%, respectivamente.
Esse padrão, em que a periferia cresceu mais do que a capital, foi observado em sete das nove grandes metrópoles brasileiras.
Similarmente, a renda cresceu mais nas áreas pobres rurais, com 49,1%, ante 16% das metrópoles e 26,8% das demais cidades. Os setores de atividade com desempenho acima da média incluem aqueles que abrigam a parcela mais pobre do país, como o de serviços domésticos, agricultura e construção (vide www.fgv.br/cps/construcao).
De maneira geral, a renda de grupos tradicionalmente excluídos, como negros, analfabetos, mulheres, nordestinos, moradores das periferias, campos e construções, cresceu mais no século 21. Tendência contrastante com a de países desenvolvidos e a de emergentes, como os demais Bric, onde a desigualdade cresce a olhos vistos.
Mais do que o país do futuro entrando no novo milênio, o Brasil começa a se libertar da herança escravagista aqui vigente até o final do século 19.