Explicações cientificas exigem comprovações empíricas, caso não ocorram, elas se transformam em mitos. Explicações cientificas também podem se tornar mitos quando os contextos em que fenômenos ocorrem são desconsiderados. Os contextos sociais importam para a explicação dos fenômenos, ou seja: em dado contexto, X possibilitou a origem de Y, mas em outro, esta relação causal não foi mais observada. Pode vir a ser mito a crença de que fenômenos se repetem independente do contexto em que eles acontecem.
Os estudos eleitorais no Brasil são abundantes e qualificados. Eles nos sugerem a existência de vários mitos que são criados diariamente por analistas e atores políticos. Ocorre fenômeno semelhante na economia, pois analistas econômicos fazem afirmações desprovidas de comprovações empíricas ou desconsiderando os contextos. David Orrell, em seu livro Economitos, revela isto.
Por muito tempo, os termos esquerda e direita fizeram parte das análises eleitorais. Era comum encontrar nas análises afirmações do tipo: “O eleitor deseja um candidato de esquerda para comandar o Brasil”; ou “O eleitor de esquerda não vota no candidato Z, o qual é de direita”. André Singer em variadas das suas excelentes obras mostrou qual é o papel e o tamanho do eleitorado ideológico no Brasil e em qual momento as eleições foram caracterizadas, em parte, pela fragmentação ideológica.
Bolívar Lamounier e Amaury de Souza mostram no livro A classe média brasileira que as eras FHC e Lula fizeram com que novos valores emergissem na sociedade, os quais enfraqueceram fortemente a contribuição da explicação ideológica para a escolha do eleitor. Ressalto que variadas obras e pesquisas revelam que eleitores não sabem definir o que é ser de esquerda ou de direita.
Na contemporaneidade são raros os analistas e atores políticos que insistem em explicar o comportamento do eleitor por meio de clivagens ideológicas. Desde 1994, a variável bem-estar econômico é utilizada predominantemente para explicar as escolhas dos eleitores nas eleições presidenciais. As competições eleitorais ocorridas no período de 1994-2010 mostraram que o estado da economia é um determinante do voto importante, pois fatores econômicos, como a queda da inflação (Plano Real), reduzido crescimento econômico e alta do consumo foram variáveis que contribuíram para o sucesso de FHC, Lula e Dilma.
Entretanto, diante do surgimento dos neodeterminantes do voto – emoções, sentimentos e âncoras eleitorais – não é adequado considerar a economia como fator exclusivo que determina a escolha do eleitor na eleição presidencial. Desconfio que se estes neodeterminantes estivessem presentes no maisntream dos estudos eleitorais no período de 1994-2010, certamente a economia não teria ocupado papel predominante nas análises.
Indivíduos sentem emoções e adquirem sentimentos. Portanto, independente da economia, eventos fortuitos ou originados das estratégias eleitorais podem vir a incentivar as escolhas dos eleitores. Por exemplo: os eleitores estão cansados da clivagem PT versus PSDB nas disputas presidenciais? Existe o sentimento de ressaca de gestão para com o PT, o qual possibilitará o sucesso eleitoral de um competidor não petista?
Os efeitos de ancoragem (âncoras eleitorais) poderão ocorrer caso eventos ou atores provoquem sentimentos de admiração e merecimento entre os eleitores. Neste caso, Lula pode voltar a ser, mesmo diante de um contexto de reduzido crescimento econômico, o âncora de Dilma, e, com isto, contribuir para a sua reeleição. Porém, outro efeito pode ocorrer: a ressaca eleitoral para com o PT e o enfraquecimento do lulismo (âncoras) pode proporcionar o sucesso de um opositor de Dilma.
A dinâmica eleitoral cria mitos. Mas é papel da ciência desmistificá-los cotidianamente. Portanto, tenho a hipótese de que a economia não será variável suficiente para explicar de modo satisfatório as escolhas dos eleitores na eleição presidencial de 2014.