Na nova legislatura federal já se percebe dificuldades da reforma política evoluir com a profundidade requerida. Basta dizer que os dois maiores partidos da Câmara – PMDB e PT – têm visões bem opostas sobre o núcleo central da reforma: a sistemática de eleição parlamentar. O primeiro defende o voto majoritário, numa variante do sistema distrital puro – o chamado "distritão" – e o segundo apregoa o voto proporcional em lista fechada.
Isso sem se falar que boa parte dos parlamentares recém-eleitos, muitos dos quais beneficiados pela atual conformação eleitoral, defendem a manutenção do modelo proporcional de lista aberta em vigor no país.
Cada um desses modelos tem vantagens e desvantagens, dependendo de como são vistos pelos seus aderentes e adversários. As novas propostas têm uma característica em comum, todavia: nenhuma foi testada no Brasil, país de dimensões continentais e com grandes diferenças regionais.
A saída pragmática é aperfeiçoar o modelo atual, acabando com duas de suas grandes distorções – as coligações partidárias e a influência eleitoral dos puxadores de voto – ademais de corrigir uma incoerência do sistema, que proíbe os partidos que não alcançam o quociente eleitoral de participar da distribuição de sobras eleitorais.
Os três tópicos, em conjunto, transformam qualitativamente o modelo atual, mantendo a essência do sistema proporcional de representação parlamentar, o pluralismo político, que assegura a participação das minorias.
As coligações proporcionais são responsáveis pelas maiores deformações do sistema eleitoral brasileiro, posto que, além de episódicas e incoerentes, incentivam o mercado de aluguel de siglas, desqualificam o voto de legenda e alteram a vontade do eleitor.
O sistema vigente dá margem, também, ao aparecimento dos chamados "puxadores de votos", candidatos que ultrapassam individualmente o quociente eleitoral com votação tal que arrastam com eles outros postulantes com votações inexpressivas (essa faceta do modelo atual tem sido a grande reclamação dos proponentes do distritão).
O transbordamento de votos do puxador para o partido pode ser evitado mediante a determinação dos votos válidos da eleição em duas etapas*, preservando-se, assim, o direito do afortunado de votos ser eleito, sem que sua votação excedente ao quociente eleitoral seja transferida para candidatos olímpicos, em detrimento de postulações mais representativas.
Por último, o atual modelo adota uma draconiana cláusula de barreira que impede de os partidos que não atinjam o quociente eleitoral de disputar as sobras de votos. Em geral são as siglas pequenas que ficam excluídas (em 2010, no Rio Grande do Sul, o PSOL não atingiu o quociente eleitoral para deputado federal e, como consequência, Luciana Genro, parlamentar do partido, que teve 129.501 votos, nona maior votação do Estado, não se reelegeu).
Na presente sugestão tais agremiações podem entrar na disputa pela repartição das sobras, através das sucessivas rodadas das maiores médias, propiciando-lhes perspectivas de representação parlamentar. Enfim, a proposta preserva o modelo tradicional brasileiro de lista aberta, porém expurga as coligações proporcionais, elimina a transferência de votos para candidatos eleitoralmente inexpressivos, e confere oportunidade a que partidos menores possam ascender ao Parlamento, mesmo sem atingir o quociente eleitoral.
P.S. – Veja-se a versão completa da proposta no texto Reforma política: sugestões de aperfeiçoamento do modelo proporcional de eleições no Brasil. http://mauricioromao.blog.br.
» Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e de Mercado, e do Instituto de Pesquisas Maurício de Nassau