Velhos fantasmas rondam a Europa. Um deles, o do calote da dívida dos governos, ficou mais próximo na semana passada, com novos rebaixamentos da qualidade da dívida. As altas recentes do petróleo estão batendo em inflação, já alta. Na Inglaterra, o índice de preços ao consumidor deve chegar a 4,5%. Na Zona do Euro, está mais baixa, mas já se fala em alta de juros.
O nome desse fantasma é estagflação, porque os países não crescem, mas os preços, sim, por causa da alta das commodities em geral e, agora, do petróleo. A tragédia do Japão derrubou na sexta-feira o preço do barril, mas ele continua oscilando em torno de US$ 100.
Alguns países de alto risco, como a Irlanda, são diretamente atingidos pela crise na Líbia. O país em guerra civil é o maior fornecedor dos irlandeses. As dúvidas sobre a possibilidade de reestruturação da dívida de Portugal, Espanha e Grécia continuam. Primeiro, foi a S&P que rebaixou a Espanha. Agora, a Moody's. Por mais que as agências tenham errado no passado, elas continuam produzindoefeitos na formação da taxa de risco dos países. Se a inflação continuar subindo, e o Banco Central Europeu decidir subir os juros, vai aumentar a dificuldade de financiamento de diversas economias.
O desemprego médio nos 27 países que compõem a União Europeia se mantém alto, em 9,5%. Na Espanha, o índice chega a 20,4%. Entre os jovens de até 25 anos, a taxa é assustadora: 43%. O aumento dos juros pode ser problemático para a Espanha porque o país ainda se recupera de uma bolha imobiliária. E cerca de 97% dos contratos de hipotecas no país foram feitos com juros flutuantes.
– A situação não é fácil. Alguns países já vivem claramente o risco de estagflação, como a Inglaterra. Eles tiveram queda de 0,5% do PIB no quarto trimestre de 2010, e a inflação em 12 meses está em 4%, o dobro da meta perseguida pelo Banco Central inglês. Com a alta dos preços do petróleo, a tendência é que a taxa continue pressionada nos próximos meses – diz Raphael Martello, da Tendências Consultoria.
Os juros da dívida portuguesa com vencimento em cinco anos bateram recorde ontem, chegando a 7,98%. Isso, no mesmo dia em que o governo anunciou novas medidas de austeridade. Na Espanha, testes feitos pelo agência de risco Moody's para medir a solvência do sistema financeiro apresentaram, num pior cenário, a necessidade de financiamento de 100 bilhões. O governo afirma que o valor é bem menor, de 15 bi. A discordância só aumenta as incertezas sobre o país.
– Tanto Espanha quanto Portugal se recusam a receber ajuda financeira por questões políticas. Mas o ideal seria as duas economias aceitarem recursos do FMI para dar tranquilidade às rolagens de dívidas, principalmente este ano. Isso não acontece, e o problema vai sendo empurrado com a barriga. O compromisso de corte de gastos assumido pelo governo português é tão alto que o mercado avalia que dificilmente será cumprido – explica Monica de Bolle, da Galanto consultoria.
O economista Alexandre Póvoa, da Modal Asset, lembra que os espanhóis tem 138 bilhões de dívida para rolar este ano.
– O calendário é pesado e qualquer deslize pode gerar problemas. A favor dos espanhóis está o fato deles serem a 4 maior economia da Europa e ainda serem grau de investimento – afirmou.
Enquanto a Europa vive esse momento difícil, o Brasil continua surfando. O fluxo de capitais para o país nos primeiros dois meses do ano, em volume, superou o do ano passado inteiro. O economista José Alfredo Lamy, da Cenário Investimentos, acha que o Brasil ganhou um presente do mundo, que já dura oito anos: o aumento forte dos preços das commodities que o país exporta:
– Está entrando muito dólar no país há oito anos. Nossos preços de exportação subiram muito. Isso foi, em parte, pela política de Alan Greenspan de derrubar as taxas de juros de 6% para 1% e, depois, de Bernanke, que na crise derrubou de 5% para zero. As quedas produziram ondas de busca de alta rentabilidade dos ativos.
Ele acha, no entanto, que o Brasil não aproveitou o momento como devia e aposta que isso não durará para sempre:
– Nenhuma alta de commodities dura para sempre. Há um dia em que os preços caem. O Brasil teria que ter aproveitado esse presente e feito seu dever de casa. Mesmo com toda a ajuda externa, o país tem uma política fiscal expansionista, déficit em transações correntes, pressões inflacionárias e o câmbio está fora do lugar. Quando o dólar subir, as pressões inflacionárias também vão subir.
Quem olhasse o mapa do mundo na sexta-feira à tarde no Financial Times poderia conferir: todas as bolsas em queda, só a do Brasil em alta. Se olhasse o mapa-múndi com as informações sobre terremotos, veria de novo o Brasil como território livre do problema. É aproveitar toda a nossa sorte de sempre e o bom momento.